Misericórdia deformada e injusta
Um tipo de misericórdia que pudesse perdoar o pecador e deixá-lo viver no pecado seria uma misericórdia falsa além de superficial. Seria uma misericórdia deformada e injusta, apoiada em um de seus pés e desprovida de uma das mãos. Qual é, pense um pouco, o maior privilégio: livrar alguém da culpa do pecado ou libertá-lo do poder do pecado? Não tentarei pesar em balança dois atos de misericórdia tão sobrepujantes. Nem me parece que ser liberto do domínio do pecado, ser feito santo, ser refeito à imagem de Deus, deveria ser considerado a maior misericórdia entre ambas as graças, se é que podemos fazer comparação. Ser perdoado é um favor imensurável. Deus é aquele que perdoa o ímpio. Mas, se pudéssemos ser perdoados e deixados livres para amar o pecado, para espojar na rebelião e na iniquidade, para chafurdar na luxúria, qual sentido teria tal perdão? Não seria mais um doce venenoso que acabaria por nos destruir? Ser lavado e ainda permanecer na lama, ser declarado limpo e ter na pele a mostra da lepra, seria apenas um mau arremedo de misericórdia. De que adianta trazer uma pessoa para fora de seu túmulo, se for para deixá-la morta? Para que levar alguém à luz, se ela continuar cega? Graças a Deus pelo seu perdão de pecados que também nos cura a alma. Aquele que nos lava as manchas do passado também nos ergue dos caminhos estultos do presente e previne que caiamos, no futuro. Havemos de aceitar, jubilosamente, o conjunto de arrependimento e remissão; tais bênçãos não podem ser separadas. A herança pactual é urna e indivisível e jamais poderá ser parcelada. Dividir a obra da graça seria o mesmo que separar uma criança viva em duas metades. Certamente, quem o permitisse seria criminosamente insensível.
C. H. Spurgeon